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Projeto de Lei do Capag bet -rf- o discurso desconectado da realidade

No universo político,pag bet - a retórica tem muitas vezes um valor intrínseco muito maior do que os efeitos práticos no mundo real. Parece ser isso a que estamos assistindo com temas relacionados à legislação tributária. Para se chegar a aprovar medidas nessa área, o governo vem cedendo mais que os próprios anéis. É o caso da votação do projeto de lei do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) na Câmara dos Deputados.

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O escopo do que foi aprovado é bem diferente do espírito da medida provisória de janeiro. O conteúdo original, que restabelecia o voto de qualidade no Carf dentro das regras vigentes até 2020, não fazia qualquer concessão. Não por acaso, tinha inimigos com alto poder de fogo: os grandes contribuintes, poderosas bancas de tributaristas e parlamentares de primeira grandeza.

A despeito da reconhecida habilidade de negociação e da capacidade técnica da Fazenda, sua aprovação se deveu menos aos argumentos do Executivo e mais às modificações introduzidas no texto. O fato é que o PL foi vendido pelo governo e repercutido na mídia como se fosse um aperto sobre os contribuintes com pendências com o Fisco. Uma vitória da Fazenda no seu intuito de aumentar a arrecadação. E não é nada disso.

O texto que segue para o Senado torna a sonegação uma atividade de risco calculado e a insolvência tributária um grande negócio para os contribuintes e tributaristas. O projeto votado pelos deputados tem o potencial de criar um clima de certa normalização da suspensão do recolhimento de tributos e de indução da inadimplência, o que pode aumentar o sacrifício dos que já pagam corretamente seus impostos.

A Unafisco fez uma simulação para exemplificar seus efeitos. Supondo uma autuação de R$ 100 milhões, com multa de 75% e aguardando 10 anos julgamento final no Carf. Assim, o valor atualizado da autuação seria de R$ 332,50 milhões, considerando uma taxa Selic acumulada de aproximadamente 90% no período. A inflação pelo IPCA foi de aproximadamente 77% no mesmo período.

Antes, com o voto de qualidade, a autuação era mantida. Agora, nesse novo formato, o auto cai de R$ 332,5 milhões para R$ 100 milhões, que é apenas o valor principal. Ou seja: 30% do valor original, que, além de tudo, não precisam ser pagos realmente. Podem ser usados prejuízos fiscais, inclusive de outras empresas do grupo, e precatórios de terceiros. Mas, se recorrer à Justiça, de qualquer forma, a autuação terá caído para 57% do valor. E sobre esse valor já reduzido (sem multa), o contribuinte poderá fazer transação e conseguirá descontos adicionais e parcelamentos que não podem ser inferiores aos concedidos para outras hipóteses.

Não é difícil prever que a perspectiva de ganhos substanciais provenientes dessas oportunidades irá incentivar até mesmo os contribuintes com histórico exemplar a optarem pela rolagem de suas dívidas com o Fisco. Para não perderem competitividade, essa dinâmica pressionará as empresas a priorizarem as vantagens das brechas fiscais, resultando em um deslocamento da ênfase da atividade-fim para questões relacionadas à insolvência tributária.

Nesse cenário, quanto mais longo o contencioso e quanto maior o índice de preços do período, mais vantajoso se torna para o contribuinte. Não será uma surpresa que o setor produtivo e o mercado financeiro revejam os efeitos de uma inflação alta sobre a saúde de seus negócios a partir dessa nova perspectiva. Ou seja, o não pagamento de tributos passará a fazer parte da estratégia de negócio das empresas.

Não serão apenas as corporações empresariais a ter elevados ganhos com o modelo recursal aprovado, mas também os escritórios de advocacia, que já faturam num nicho de alta rentabilidade dentro do mundo jurídico. A configuração do PL vai redesenhar a relação comercial entre tributaristas e grandes contribuintes, transformando-a em uma espécie dejoint-venture, parceria empresarial com nítida vantagem mútua, indo além da tradicional relação entre defensores legais e clientes.

As principais bancas de advocacia serão incentivadas a analisar cuidadosamente as teses mais polêmicas que possam ser levadas ao Carf. Enquanto isso, os valores que deveriam ser destinados aos tributos - que no futuro serão pagos apenas sobre seu valor principal -, serão redirecionados para aplicações financeiras, cujo rendimento à taxa Selic será utilizado para remunerar os acionistas e, parcela dele, para custear os honorários advocatícios.

O PL aprovado na Câmara sobre o retorno do voto de qualidade no Carf também incentiva a conformidade tributária por meio de uma série de medidas que introduzem um modelo colaborativo entre o Fisco e o contribuinte.

O objetivo dessas medidas seria prevenir conflitos e diminuir os litígios entre Fisco e contribuintes. Porém, em uma primeira análise, a introdução do modelo da conformidade com o enfraquecimento da ponta do enforcement, com a alteração do que é dolo e fraude, redução da multa máxima para 100% e os efeitos do voto de qualidade (zera multas e arquivamento de RFFP), a conformidade tende a não produzir os efeitos desejados porque a percepção de risco, em tese, vai cair.

A esperança é a de que tais fragilidades sejam corrigidas no Senado, caso contrário, o PL não produzirá o efeito arrecadatório esperado pelo governo, além de normalizar o não pagamento de tributos. A volta do voto de qualidade no Carf terá sido uma peça de propaganda apenas "para inglês ver".

Mauro Silva, bacharel em Direito com doutorado no Largo São Francisco, auditor fiscal da Receita Federal e presidente da Unafisco Nacional.

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